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A Cozinha do Instituto Gentil Bittencourt.

"Estávamos iniciando o jantar, às três horas. Aurinívea,  "a Vovó" _ a ledora do dia_, preparava-se para dar começo à meditação, e já  dissera, com a sua fala frágil  e rouca de velhinha,  a frase sacramental:
_Em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo! Que o santo nome de Deus seja Louvado!
E nós gritáramos famintas o "assim seja"!.
Já contávamos o bife, com as facas eternamente, incrivelmente cegas, quando Irmã Germana entrou, afobada e vermelha, cochichou em francês com a Irmã  do refeitório, ambas saíram andando entre as mesas espiando a cara da gente, de uma a uma (...)". (1) o Texto de hoje começa com um fragmento do romance " As três Marias", de Rachel de Queiroz,
cuja história foi inspirada na época em que viveu no colégio interno da Imaculada Conceição,  nos anos de 1920, em Fortaleza. [Eu simplesmente amo de paixão esse livro 🤍] Uma das possibilidades de estudos à partir da temática da "Alimentação e Instituições" [Para quem quiser saber mais volte um texto] é perceber como se organizava, por exemplo, a dinâmica das refeições. Nesse sentido, o Regulamento Interno nos permite esse olhar, segundo o historiador Bezerra Neto: "O regulamento Interno tinha na vigilância e disciplinarização do cotidiano, visando estabelecer uma vida regrada pelo estudo, pelo trabalho e pela religiosidade, o cerne de sua razão de ser. Tanto que determinava nos menores detalhes como havia de ser um dia na vida da educanda dentro do Recolhimento". (2) Desta forma, como nos aponta o historiador Bezerra Neto, sobre o Instituto Gentil Bittencourt, em Belém,  no século XIX: "(...)no primeiro capítulo do dito Regulamento, que tratava mais amiúde de como devia ser vivenciada as horas ao longo do dia pela educanda, em seu artigo primeiro, ficava estabelecido então como devia ser iniciado esse dia. Às cinco horas da manhã, uma criada havia de tocar o sino “por algum tempo, a fim de despertar as educandas”. Após dar suas badaladas, a mesma criada andaria de porta em porta das celas ou quartos do educandário, “principiando pelo da regente, batendo e dizendo= Louvado seja o Nosso Senhor Jesus Christo = até que de dentro lhe
Respondão = para sempre”."(3) Às 7 horas era quando " Somente, então, como previa o artigo 4°, seria servido o almoço, como era chamado na época o desjejum ou café da manhã, “devendo comparecer todas em uma só meza, incluzive a regente. Na sua falta, que só deverá ser por motivo de doença, será presidido este, bem como todos os demais actos, por uma das educandas mais velhas”. Terminada essa refeição, que, segundo o artigo 5°, “durará um quarto de hora”, as alunas deviam se entregar aos seus deveres (...) (4) O almoço era a segunda refeição " servida ao meio-dia, conforme dispunha o artigo 6°, que se referia à mesma como jantar, sendo designado por nós como almoço. Esta refeição, tal qual o desjejum, deveria ser realizada “conservando-se todas no
maior silêncio, e com o maior respeito. Se alguma necessitar de alguma coiza, dará uma pancada na mesa, á cujo som acudirão as, que estiverem de semana, a fim de satisfazerem o pedido”. Terminada o almoço, dizia o artigo 7°, “encamimhar-se-hão á Capella á dar graças, findo cujo acto irão para o seu repouso”.(5) Por fim, cono nos informa Bezerra Neto: "(...) Às oito e meia da noite seria servida a ceia, que conhecemos como jantar, tal como previsto no artigo 10°, sendo “regulada como se acha no [artigo] 6°, no fim de cujo acto retomarão á Capella a dar graças”. Concluída a janta, o artigo 11° determinava que às nove horas seria tocado o sino ordenando o
“silêncio, com o qual todas se recolherão á seos quartos sem mais poderem sahir até o dia seguinte ao toque de dispertar”. (6) A partir da análise detalhada do historiador, reproduzidas aqui, é possível entender que o dia-a-dia das internas era regulamentado e deveria ser estritamente respeitada. As refeições eram em três: almoço, às 07 horas (café da manhã); jantar ao meio-dia (almoço) e a ceia às20:30 (jantar). As refeições eram sempre acompanhadas de orações e leituras diárias da Bíblia ou outra de reflexão para as educandas.  Observem na fotografia, que existe uma aluna no centro da foto, numa espécie de púlpito? Ela deveria ser a leitora, daquela semana, sempre nas refeições, uma das alunas ficava todo o tempo da refeição lendo, enquanto as outras comiam.
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💬 To be continued (...)
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📚✍️🏽Referências.
🛎O conteúdo deste blog está protegido pela lei n° 9.610 datada de 19-02-1998. Ao de utilizá-los, não se esqueça de dar os créditos.
📸 Refeitório do Instituto Gentil Bittencourt. Álbum do Estado do Pará, 1908. Augusto Montenegro. 1908.
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(1) Queiroz, Rachel de. As três Marias. 28° ed. Rio de Janeiro: José Olímpia, 2018. p, 72.
(2)(3)(4)(5)(6)José Maia Bezerra Neto. O cotidiano mais do que perfeito: instrução e sociabilidades femininas sob vigília no Recolhimento das Educandas (Belém- Grão-Pará, 1840).Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº 62, p. 98-120, mai2015 – ISSN: 1676-2584. p, 107-108. 

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