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A fabricação de farinha.





Nos desenhos de Maurílio Galba, de 1962, sobre a "farinhada do Rio Negro" é possível visualizar dois momentos de elaboração da farinha: ralação no iuquicé (um ralo de madeira) e a prensagem da mandioca no tipiti. Um processo eivado das técnicas indígenas que chegam até nós. Nesse sentido, Monteiro nos diz que "É agradável saber que muitos dêsses alimentos continuam rigorosamente participando da cultura que se convencionou chamar "da mandioca", sem terem sofrido modificações importantes no processo de fatura nem sequer na nomeclatura". E ainda, "pode-se observar ainda na Amazônia uma casa de farinha funcionando com os mesmos (...) equipamentos de há quatrocentos ou talvez mais anos (...)" (1). Sobre esse processo, Fernão Cardim, no século XVI, nos diz que "(...) destas raízes espremidas e raladas se faz farinha que se come; também se deita de molho até apodrecer, e depois limpa, espremida, se faz também farinha, e uns certos beijus como filhós, muito alvos e mimosos. Esta mesma raiz depois de curtida n'água feita com as mãos em pilouros se põe em caniços ao fumo, onde se enxuga e seca de maneira que se guarda sem corrupção quanto querem e raspada do fumo, pisadas em uns pilões grandes, e peneirada, fica uma farinha tão alva, e mais que trigo, da qual misturada em certa têmpera com a crua se faz farinha biscoitada que chamam de guerra, que serve aos índios, e portugueses pelo mar, e quando vão a fuerra como biscoito. Outra farinha se faz da biscoitada da mesma água da mandioca verde se a deixam coalhar e enxugar ao sol, ou fogo; esta é sobre todas alvíssima, e tão gostosa, e mimosa que não se faz para quem quer". (2). É Lery que nos afirma que "Os Tupinambás, tanto os homes como as mulheres, acostumados desde a infância a comê-la seca em lugar do pão, tomam-na com os quatro dedos na vasilha de barro ou em qualquer outro recipiente e a atiram, mesmo de longe, com tal destreza na boca que não perdem um só farelo". (3). Quem de vocês não tem na memória essa cena? Eu quando criança, em Abaeté, quando ia na feira com a mamãe ou a minha avó, era uma das cenas que eu mais via: as pessoas chegavam próximo dos sacos de farinha, com os dedos tomavam a farinha e jogavam na boca. Parece até que eu estava lá, de novo...


🎨 Desenho de Maurílio Galba. 1962.
MONTEIRO, Mário Ypiranga. Alimentos preparados à base de mandioca. In: Revista Brasileira de Folclore. Ano III, n. 5. Janeiro/Abril 1963. Ministério da Educação e Cultura. Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro. Pp. 37/ 82. p. 48. 🔖 Qualquer óbice em relação a imagem por favor nos avisar. 
(1). Monteiro. op. Cit., p. 54. 
(2). Fernão Cardim. Tratados da terra e gente do Brasil, 2 ed. São Paulo, ed. Brasileira, 1939. p.61-62. 
(3). Jean de Léry, Viagem à terra do Brasul, São Paulo, EDUSP/Martins., 1972.p. 86. 

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